quarta-feira, dezembro 13, 2006

Estrelas lucianas

Quatro eunucos, fiéis guardiães, postam-se
Entrincheirados nas entradas de Órion
Protegendo Três Marias pudicas
Que, tão lindas, o Universo iluminam.

Mocinhas ingênuas, ainda sonham
Com príncipes que virão das histórias
Dos livros que plastificam a vida,
Gentis amantes de estelares ninfas.

Preservam-se elas com cuidado extremo,
Tão zelosas da própria virgindade,
E com tal zelosidade que é, mesmo,
Como se o só desejo as desonrasse.

Certo que desejam, e com ardor,
Mas de uma ânsia contida, tão íntima,
Que elas reprimem todo o seu calor
E suam gotinhas frias e tímidas.

Mas as delata o seu intenso brilho
E todo o Universo então adivinha.
Não há príncipes, porém, porque a vida
Conta histórias que não contam os livros.

Surge então um ardiloso asteróide
Que furtava luz em Escorpião
E envenena, com sua prosa de herói,
As três tão recatadas virgens de Órion.

Quatro guardiães foram enganados
E as Três Marias, que são, na verdade,
Uma só estrela, profana trindade,
Tiveram seus sonhos envenenados.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Poema de verdade (A truth poem)

O original deste poema (abaixo), de minha autoria, obviamente escrito em português, foi vertido para o inglês (não sei por quem) e postado em 18 de junho de 2002 por alguém de nome "Koda" num fórum de debates sobre um estranho software de nome "Diablo Keys" (vade retro!)

A truth poem

I wanted to swallow
The truth, in a cup,
at one gulp.

The men say all together,
So veritable and famous,
that the true hurts.

They know that searching it is attacking
The spirit himself
That it doesn't feel.

Digging my being, the end was one:
I found the microcosmic
Truth of a poem.


Translated from "Poema de Verdade" of Luís Antônio Albiero

(Original version)
Poema de Verdade

Queria era poder ingerir
A verdade, em cálice,
De um único gole.

Dizem-me os homens em voz comum,
Tão vero qual célebre,
Que a verdade dói.

Sabem que buscá-la é agredir
O próprio espírito,
Que ela não se expõe.

Cavando meu ser, o fim foi um:
Achei a microcósmica
Verdade de um poema.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Reflexões

Um crápula paramentado
Parou para meditar.

Refletiu-se no espelho,
Pôs-se de joelhos e chorou
Lágrimas amorais.

Ficou a admirar-se.
Mirou-se à distância,
Desde a infância até nunca mais.

Repensou cada ato
E num ato de rebeldia
Disse que se perdoaria
Se um dia tivesse errado.

Recompôs-se.
Cofiou a barba,
Alinhou os cabelos,
Fê-los belos e modernos.

Rebateu o terno de linho
Como quem sacode a poeira.
Foi à beira da cama,
Olhou o espelho derradeiro,

Lançou-se ao leito e,
Sem se despojar das vestes,
Dormiu o sono dos perfeitos.
(Ilustração: Estêvão Falcirolli Albiero)

Virile Verses

Também tive a felicidade de ver o poema abaixo ("Versos Viris") vertido para o
inglês, pelo poeta português António de Campos, editor do sítio "Cantatio Infinita" - que
infelizmente não está mais no ar.


(translation by António de Campos, 2000)

In the light of a lamp meagre
murmurs a rough gentleman
various verses, of little candour
to the ears of the lady eager.

Recites with wisdom, patient
giving pleasure indifferently as someone who
still will not break the hymen complacent.

They are immoral verses of fervour
virile verses that tore
the woman's pure membrane
in which soul, penetrate with ardour.

The spirits in copulation total
bleeding happy teardrops and, so
enjoy a love transcendental.

Versos viris

À luz de uma lâmpada pálida
sussurra impoluto cavalheiro
versos diversos, pouco veros
aos ouvidos de senhora ávida.

Recita com sapiência, paciente
compraz-se indiferente como quem
inda não rompe um hímen complacente.

São amorais versos de amor
versos viris que rompem enfim
os puros tímpanos da mulher
em cuja alma penetram com ardor.

Os espíritos em cópula tal
sangram lágrimas felizes e, assim
gozam de um amor transcendental.

Insetos

Meus sentimentos sobem parede qual insetos
e se escondem por entre vãos
poemas

Defecam sobre o rosto quente e adormecido
de donzelas de feições
imbelas

(que ainda sonham com príncipes imberbes)
em cujos corações abrem repugnantes
chagas

e se dilaceram feito palavras fáceis
de um invertebrado verso que
brado.

De uma vez por todas

Era uma vez que conheceu outra vez.
Casaram-se duas vezes.
Muitas vezes amaram-se intensamente.

Tiveram filhos, uma vez ou outra.
Algumas vezes deram netos e bisnetos.
Tantas vezes perderam de vista a primeira vez.

Diversas vezes brigaram.
Ao ódio extremo chegaram certas vezes.
Uma vez destruiu as outras.

Quer que eu conte outra vez?

(Luís Antônio Albiero, em Capivari,  SP,  aos 3 de dezembro de 2006)

domingo, dezembro 03, 2006

Semáforo

Um carro amarelo
atravessou o sinal vermelho
e colidiu com outro, verde.

No horizonte alaranjado, morria o sol.
A tarde caía cinzenta.
As pessoas estavam pálidas.

Dois cadáveres apáticos,
um branco, outro pardo,
avermelharam de sangue o chão.

Veio o carro preto da funerária.
O moço, de olhos azuis e feições sombrias,
disse que era preciso dar cor à poesia.

O policial, de cínicos cabelos grisalhos
e uniforme marrom,
disse que não.